quinta-feira, 25 de dezembro de 2008



Shalom!
Quer dica de bons livros? Que tal um passeio entre Verdes Trigos...
No Papo de hoje Henrique Chagas!

PIT - Olá Henrique, bem vindo ao Papo em Comunidade!
HC -
É uma honra me apresentar à comunidade judaica, e de falar sobre literatura e sobre o site Verdes Trigos neste seu precioso espaço. Obrigado pela oportunidade que me concede.

PIT - Você é advogado, mas se dedica à literatura. Como se deu este interesse?
HC -
Muito antes de me tornar advogado já tinha vontade de ser escritor. Na verdade sempre tive interesse pela leitura. Cresci vendo meu pai ler, ele lia muito e de tudo, tive o privilégio de aprender a ler com ele. Ensinou-me que somente o conhecimento poderia dar-nos um destino e uma vida melhor. Ainda adolescente, minhas veias literárias já saltavam através de poemas, de crônicas e de um pequeno romance inacabado. Para mim o livro mantém uma carga simbólica enorme. Foram os livros que despertaram em mim, ainda estudante, o desejo vulcânico de mudar o mundo sem armas, apenas com palavras, com letras e rimas, mesmo arriscando às atrozes conseqüências advindas do regime daqueles anos de chumbo. Queria mudar o mundo com uma prosa diferente, com palavras transformadoras, que alterassem o rumo das coisas. Por isso, independentemente da profissão que exerço o livro e a literatura tem lugar especial no meu viver.

PIT - Há muito tempo você criou o site Verdes Trigos. O que te levou a criá-lo?
HC -
Foi em novembro de 1998, quando os blógues ainda não existiam. Imaginava escrever um livro “on line” com a participação do leitor, todavia desisti da idéia, pois o processo de criação é algo solitário. O que eu pretendia era escancarar o processo criativo com a interação dos leitores. Sequer existiam os conceitos da web 2.0, mas surgia, ali, um embrião do blógue, com meus comentários sobre os livros que lia e que davam fundamentação ao meu pensar. Preferi continuar o livro off line e dei seguimento à publicação de resenhas e ensaios literários. Assim nasceu o site Verdes Trigos.

PIT - Por que o nome Verdes Trigos?
HC -
O escritor israelense Amós Oz afirmou que costuma, às manhãs, caminhar pelo deserto para captar suas vozes. Diz ele que as vozes do deserto são regalos para a sua escrita. Faz sentido porque desde menino eu ouço as vozes do vento, aprecio dias de ventania, pois o vento carrega com ele o som do primeiro dia da existência. Aquele mesmo vento, após bilhões de anos, ainda ecoa sobre nós. Desde pequeno aprendi a ouvir a voz do vento, quando criança passava horas admirando o balançar das espigas do trigo e captando o ruach criador. Diz o texto sagrado que, após a criação do mundo, o vento do Senhor pairava sobre as águas; é este o vento que me inspira a escrever.
Ao dar nome ao meu site cultural e literário, busquei inspiração no vento que balança as espigas do trigo, uma cena que carrego comigo. Como aprecio a arte de Van Gogh, associei a sua arte aos verdes trigos da minha infância, e à marca Verdes Trigos atribui conceito filosófico, que representa a esperança de um mundo melhor, que se conquista pela solidariedade, tolerância e pelo repartir do conhecimento.

PIT - Você recebe muitos livros. Você consegue ler todos?
HC -
Por conta do site Verdes Trigos http://www.verdestrigos.org/ recebo muitos livros, seja dos seus autores ou das editoras. Recebo-os, em sua maioria, acompanhados por resenhas e apresentação para que sejam incluídos no site. Por uma questão de tempo, não consigo lê-los todos como também não divulgo todos. Entretanto, dependendo do conteúdo, da abordagem, eu procuro lê-los e, se for o caso, fazer uma nota para site ou publicar uma resenha. Muitas vezes compro determinado livro, leio e o divulgo quando julgo interessante. O livro que me interessa é aquele que, além de uma ficção ou não-ficção, possui algo de perene a dizer. Livros que não dizem “nada” não me interessam. E o “nada” é a ausência de harmonia com a criação.

PIT - Qual o seu critério para divulgá-los no site?
HC -
O livro para ser divulgado no site Verdes Trigos, além de bom – na forma e no seu conteúdo - deve atender à nossa filosofia de trabalho e aos aspectos culturais que envolvem o site. Cremos que as boas idéias, bons pensamentos e os bens culturais devem ser disponibilizados socialmente, até mesmo como forma de entretenimento; é por isso que invisto tempo e dinheiro no site Verdes Trigos, cujo retorno cultural me é altamente satisfatório. Como já dito, advogo uma causa que me é muito particular: que a maior riqueza está no conhecimento, no aprendizado, na grande herança que recebi de meu pai (o desejo de sempre aprender). A mudança não acontece apenas porque achamos que é possível, mas especialmente porque nos preparamos para o futuro. No site aceitamos e instigamos a polêmica, entretanto jamais aceitamos idéias intolerantes, racistas ou desagregadoras. Essa é a nossa política. Os textos publicados devem trazer em seu bojo a busca pela completude humana, a busca pelo entendimento, pela harmonia e por um futuro melhor.

PIT - Qual o seu gênero literário e escritor preferidos?
HC -
Procuro ler um pouco de tudo, mas gosto mesmo é da literatura ficcional, com forte conteúdo histórico, sócio-político ou filosófico, seja romance ou conto. Meu autor predileto é Amós Oz, que permanece na fila de um Prêmio Nobel. Sou fã dele, cito-o constantemente. Na seqüência, não posso deixar de citar o albanês Ismail Kadaré e o contista Nathan Englander que muito me impressionou com o seu "Para Alívio dos Impulsos Insuportáveis", um livro que me foi presenteado pela escritora Noga Lubicz Sklar. Dos meus escritores brasileiros preferidos no momento peço licença para citar os gaúchos Moacyr Scliar e Alfredo Aquino.

PIT - Qual o seu livro de cabeceira?
HC -
Como leio muito, e em todo lugar, metaforicamente “na cabeceira” está hoje o livro “Tirando os sapatos”, de Nilton Bonder. E claro, desde que aprendi a ler, eu costumeiramente leio a Bíblia. Possuo várias; a última que comprei foi a “Bíblia Hebraica”, da Editora Sefer, de São Paulo.

PIT - Que livro você indicaria atualmente?
HC -
Indico os livros do Nathan Englander, os dois livros publicados no Brasil. Indico também um livro corajoso, “Carassotaque”, do gaúcho Alfredo Aquino. Estou lendo este último, é simplesmente ótimo, ele descreve as relações de poder e medo.

PIT - Qual o seu maior sonho?
HC -
Meu maior sonho é terminar de escrever e publicar um romance, cuja temática é uma reflexão sobre o sentido da existência humana, muito mais profundo que nosso sentido meramente filosófico, ao contrário, projeto nas personagens as nossas dificuldades de compreensão do sagrado e do profano. Não existem coisas sagradas e coisas profanas. Tudo é sagrado, como já dizia Djavan. Nessa busca por uma identidade, por um lugar no mundo, os personagens se esbarram com a sua inexorável pequenez frente ao universo, ao aquecimento global, à escassez de água que já se avista, embora neste mundo pós-moderno tudo seja facilitado pela tecnologia de ponta. Já adianto que o enredo passa por uma busca de identidade pessoal, que perpassa pelas ruas de Tel Aviv, pelas planícies da Galiléia e desemboca no Pontal do Paranapanema [local conflituoso], onde uma empresa israelense de exploração de água se instala. Em meio ao comércio de águas para irrigação e exportação, nossos personagens constroem o futuro. O resto é suspense.

PIT - Qual a sua relação com o Judaísmo?
HC -
Descobri que tenho raízes na cultura judaica. Meus avós são descendentes de marranos perseguidos pela inquisição portuguesa. Judeus que se converteram na marra ao catolicismo. Meu avô mudou de sobrenome em razão da perseguição. Depois desta descoberta, fui a Israel. Encantei-me com Jerusalém, senti-me como se tivesse voltado à terra dos meus ancestrais. Passei, então, a estudar o judaísmo, um judaísmo nada ortodoxo. Comecei também a estudar a língua hebraica. Assim, creio que não sou nada religioso no sentido comum, mas sou extremamente religioso no sentido ontológico da palavra. Busco sempre identificar-me com Aquele cujo nome é impronunciável, inclusive quando escrevo. Posso afirmar que minha relação com o Judaísmo é de total encantamento, não somente por acreditar que está no sangue, mas especialmente por acreditar que é possível ter uma relação de temor e amor com o Criador; que é possível viver os valores intrínsecos à cultura e religiosidade dos nossos ancestrais.

PIT - Henrique, obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!
HC -
Obrigado pela oportunidade de estar no seu espaço, por sua generosidade.
Serei eternamente grato. Aos leitores desta entrevista, agradeço de coração e convido-os a nos acompanhar navegando em verdes trigais:
http://www.verdestrigos.org/ Que todos nós sejamos abençoados. Obrigado!








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Um comentário:

Allan Ribeiro disse...

Uma entrevista maravilhosa, parabéns!

Compartilho com o entrevistado um amor muito grande pelo povo judeu. Sou cristão e leio a Bíblia regularmente, então a história de Israel e eu somos íntimos. Além disso, visito o Verdes Trigos regulamente. Por fim, creio que tenho sangue judeu também, por conta de minha ascedência portuguesa. Sâo motivos de sobra para ter amado o seu blog.

Aqui no Piauí não temos judeus. Eu até gostaria muito de ter contato com um, saber sobre as tradições e tudo mais. Um dia ainda vou a Israel!

Abraços!