Ela é jornalista, mas a vida a levou para o cinema. Hoje faz documentários e já foi premiada pelo novo filme “ Meu Brasil”.
Luzes, câmera, ação:
Daniela Broitman
PIT - Olá Daniela bem vinda ao Papo em Comunidade!
DB - Olá Patricia!
PIT - Quando você decidiu se tornar uma cineasta?
DB - Sempre gostei muito de cinema. Quando decidi fazer jornalismo nafaculdade, tinha minhas dúvidas se deveria fazer cinema. Cheguei aconcorrer a uma bolsa para a Escola Internacional de Cinema e TV deSan Antonio de los Baños, em Cuba. Passei na primeira fase, masacabei desistindo, pois não era o meu momento de sair do país. Quando trabalhei no Estadão como repórter, eu escrevia muito sobrecultura, e muitas vezes fazia crítica de cinema. Em 1998 fui fazer mestrado na Universidade da Califórnia - Berkeley, e lá fui assistente do professor Kenneth Turan, crítico do jornal Los Angeles Times, no curso de crítica de cinema no Departamento de Jornalismo.
PIT - Por que você optou pelos documentários?
DB - No meu mestrado, fiz TV e também fiz um curso de Históriado Documentário, para o qual tive que assistir e discutir dezenas defilmes. Foi uma época maravilhosa, apesar das dificuldades de ter que fazer um mestrado em outro idioma. Lá eu aprendi a editar em Avid, fazer trabalho de câmera, roteiro e produção para TV e documentário. No meu segundo ano de mestrado, recebi uma proposta de trabalho deuma "start-up", durante aquele boom da internet em San Francisco(Califórnia). Fui contratada para ser editora da seção de Cinema do site Streetspace e eles me pagaram um curso específico de edição de vídeo. Hoje entendo que tudo isso já estava me preparando para o caminho que vim a seguir, apesar da minha primeira escolha não ter sido cinema. Acabei estudando cinema na New York University, onde fiz um certificado em 2002. No final deste mesmo ano, voltei ao Brasil depois de seis anos nos Estados Unidos. Na bagagem, trouxe uma câmera digital, microfones, um Macintosh com software de edição e tudo o mais que era necessário para produzir um documentário, que era o que eu mais queria naquele momento. Com tantos anos no jornalismo, acho que foi um caminho natural a opção por documentários. Mas tenho vontade de fazer muitos outros projetos, inclusive de ficção.
PIT - “A Voz da Ponta” foi sua estréia no cinema, conte-nos um pouco sobre este filme.
DB - A produção de "A Voz da Ponta" começou justamente na minha volta ao Brasil em outubro de 2002. Minha motivação para me envolver de corpo e alma neste projeto foi uma imagem que não esqueço nunca: no caminho do aeroporto do Galeão para a Zona Sul, vi aquele mar de favelas que tinha tomado conta do Rio de Janeiro. Fiquei muito impressionada com aquela imagem e senti a necessidade de entender o que estava acontecendo no Brasil, como a pobreza estava crescendo tanto. "A Voz da Ponta", entre outros temas, conta sobre o surgimento de uma favela no Rio chamada Terra Encantada. Na época existia um parque de diversão na Barra da Tijuca com o mesmo nome. Aquilo era muito irônico: por um lado, um grupo social que havia ganhado muito dinheiro no Brasil, mais conhecidos como "novos-ricos" (muitos dos quais foram morar na Barra da Tijuca no Rio); por outro lado, um grupo cada vez mais pobre, que tinha que brigar por um metro de terra invadida para construir um barraco de telha. Estes que lutavam na favela por um pedaço de terra - na verdade, uma moradia, direito de todos os cidadãos brasileiros, de acordo com o Artigo Sexto da nossa Constituição - são sempre retratados como bagunceiros, bandidos, etc e só aparecem na mídia quando há tiroteio, desmoronamento, blitz policial ou algum outro tipo de tragédia. Só se fala dos traficantes das favelas. Mas e os outros 98% dos moradores da comunidade que são trabalhadores e pessoas honestas que vivem no meio desse caos social? Eu precisava ir a fundo nesta questão para compreender melhor esta diferença social vergonhosa que existe em nosso país e quem sabe poder contribuir de alguma maneira para uma transformação pela qual o Brasil precisa passar. "A Voz da Ponta" é a voz dos invisíveis, dos excluídos, dos nossos "intocáveis", de todos aqueles que sofrem a injustiça social deste país. Creio que o fato de ser filha e neta de judeus imigrantes, que passaram por campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial e perderam tudo o que tinham, seja uma das minhas motivações para fazer filmes que discutem temas como igualdade e paz.
PIT - O seu recente filme “Meu Brasil” conta a história de vários lideres comunitários. Como surgiu a idéia deste filme?
DB - Desde 2002 tenho contato com lideranças comunitárias, associações demoradores e ONGs no Rio de Janeiro. Em 2004, fiz uma parceria com o Comitê Rio do Fórum Social Mundial para selecionar um grupo de 33 líderes comunitários para irem ao Fórum Social Mundial, os quais seriam os personagens do meu documentário "Meu Brasil". Quando comecei o projeto não sabia ainda quem seriam os personagens principais. A idéia era levar esse grupo ao Fórum, oferecer capacitação a eles e ver o resultado. Ao longo da produção foi ficando claro que se eu queria fazer um filme que falasse sobre diversidade e discriminação, eu tinha que ter três personagens principais que representassem bem estas questões. A Gaúcha, a Juliana e o Carlos têm histórias de vida e perfis bem diferentes, mas seus ideais são muito similares: combater a discriminação e trazer melhorias para sua comunidade.
PIT - Falando dos personagens, o que você aprendeu com eles?
DB - Com cada personagem aprendi algo especial:
Com a Gaúcha, aprendo até hoje, pois é com quem eu mais tenho contato. Não tenho visto a Juliana, pois ela mora em Três Rios e oCarlos anda meio sumido. Toda vez que encontro com a Gaúcha, ela mesurpreende com uma nova história. Outro dia numa apresentação do filme que fizemos na Faculdade ESPM, ela contou como foi abandonada pelo marido, grávida do sexto filho, que acabou perdendo. Eu quase chorei. Olhando ali pra ela, com aquela força e garra, eu não podia acreditar que aquela senhora de 65 anos tinha passado por tudo aquilo. Hoje sua maior luta é para manter a COMZO (Conselho da Mulherda Zona Oeste), associação que ela fundou e para a qual está buscando uma sede. Com o Carlos, aprendi sobre a beleza e a importância da reciclagem(ele ensina jovens a reciclar lixo e a fazer arte com esse material). Carlos é ambicioso e muito batalhador, e vive cercado de adolescentes que trabalham com ele nos projetos sociais da sua ONG comunitária Ecologic Bike. Já a Juliana é uma figura polêmica. Uma travesti de quase 2 metros de altura que às vezes é de uma ingenuidade espantosa, apesar de tudo que ela já teve que enfrentar em termos de discriminação. Nas filmagens me diverti muitíssimo com ela, pois é engraçada, desbocada e sincera. O que mais me intrigou na Juliana é que ela é uma travesti que, diferentemente da maioria, não se prostituiu. Ela batalha para estudar, ter uma profissão e poder ajudar sua família e comunidade. O que aprendi com eles? Uma pergunta que não quer calar: se eles, que estão numa situação econômica tão difícil, podem contribuir de alguma maneira para um mundo melhor, como tantas pessoas que têm uma condição financeira melhor não fazem nada?
PIT - Como foi receber o premio Júri Popular no Cinesul? Você já esperava por isto?
DB - Nossa, foi maravilhoso, claro. Na hora que falaram o nome do filme (Meu Brasil) e meu nome no palco na premiação, eu não conseguia nem levantar dacadeira de tão surpresa que fiquei. Tanto não esperava que não tinhanem preparado discurso, tive que improvisar. E claro, tinha que oferecer aquele prêmio aos líderes comunitários do filme e a todos os outros que lutam dia-a-dia para melhorar a condição de vida em suas comunidades.
PIT - Quando poderemos assistir “Meu Brasil”?
DB - "Meu Brasil" estréia nos cinemas do Rio de Janeiro e São Paulo dia 14 de novembro no circuito Unibanco Arteplex. No Rio entrará em cartaz no Unibanco Arteplex de Botafogo, e em São Paulo a sala só será confirmada daqui alguns dias (verifiquem nos jornais ou no site do filme na semana da estréia). Também deve ser exibido no Ponto Cine na Zona Oeste do Rio, aonde foi filmado boa parte do documentário. Depois iremos para outros estados. Para mais informações sobre "Meu Brasil", acesse: www.videoforum.tv/meubrasil
PIT - Como é fazer filme no Brasil?
DB - Muitas pessoas, até alguns amigos, têm vindo me procurar dizendo que querem fazer cinema. Um conselho que sempre dou: faça uma boa poupança antes de começar! Não estou brincando. Nessa profissão você mais paga para trabalhar do que recebe. É incrível o empenho, dedicação e dinheiro que você tem que colocar no projeto quando está começando. É muito esforço mesmo. A maioria dos diretores que conheço veio da publicidade (às vezes ainda trabalham com publicidade), ou então tem outra profissão ou dão aula em faculdade, creio que estessão caminhos mais fáceis. Mas eu arrisquei tentar viver só de documentário e eventualmente fazer projetos institucionais, mas tenho que batalhar muito até hoje. Ou seja, é uma luta constante.
PIT - Algum projeto em vista?
DB - Ganhei uma bolsa da Fundação Guggenheim de Nova York para desenvolver meu próximo projeto: um documentário sobre o músico e ativista social Marcelo Yuka (ex-baterista da banda O Rappa).
PIT - Daniela, muito obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!
DB - Estamos distribuindo "Meu Brasil" através de um projeto inovador chamado Distribuição Criativa, da Pipa Produções, que recebeu apoioda Secretaria do Audiovisual e do MinC. Estamos investindo na formação de público e tentando fazer com que pessoas que não têm condições de ver o filme possam vê-lo, através da distribuição de vale-cinema (ingresso gratuito) e vale-promoção (o espectador pagaapenas R$ 5,00). Ambos vales são aceitos em qualquer cinema em que o filme estiver sendo exibido, em qualquer dia e horário. Se alguma instituiçãoeducacional, associação ou ONG quiser vales-cinema ou vales-promoção, por favor, nos procure: info@videoforum.tv. Também oferecemos exibições fechadas para empresas e organizações seguidas de debates com a participação da diretora (eu!) e líderes comunitários. Várias organizações têm nos procurado, pois o filme serve como ferramenta educacional e de capacitação, além de ser uma obra informativa e de entretenimento. Se alguém quiser mais informações, meu e-mail é: daniela@videoforum.tv
Obrigada!!
Assista aqui o trailer de Meu Brasil
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