quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Shalom!
Que tal pensarmos e apreciamos arte com a artista plástica e professora Leila Danziger?
Aproveitem!



PIT - Olá Leila, bem vinda ao Papo em Comunidade!
LD - Olá Patrícia! Muito bom visitar o seu blog!

PIT - Artista plástica e professora do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Como começou seu interesse pelas artes?
LD - A partir da adolescência, eu não conseguia me relacionar com nada que não fosse arte e literatura. A sorte é que a arte é interdisciplinar e me levou a olhar o mundo e a me interessar por muitas outras coisas. Como a maioria das pessoas que escolhem estudar artes plásticas na universidade, eu simplesmente gostava de desenhar. Mas essa inclinação vaga só se tornou uma escolha consciente pela arte quando eu literalmente “colidi” com a memória da Segunda Grande Guerra e da Shoá, no período em estudei na França, na década de 80. De alguma forma, foi essa memória, muito bem silenciada na minha família, que me deu mesmo vontade de desenvolver uma produção continuada como artista. De outro modo, acho que teria sido uma designer razoavelmente feliz.


PIT - O que é arte para você?
LD - É aquilo que procura responder à complexidade da experiência humana, o que é algo imenso. Gosto da arte que é sensível e reflexiva ao mesmo tempo. A arte é aquilo que aguça os sentidos, potencializa a nossa percepção, conectando-a ao pensamento e à reflexão. E em relação à arte moderna e contemporânea, ela está mais interessada no processo do que no produto. Embora a arte continue a produzir obras duráveis, o que o artista coloca em ação, sobretudo, é uma certa poética, uma forma de estar no mundo e construir relações e sentidos para a vida. Na verdade, essa me parece mesmo a importância da arte: ativar a potência do ser humano (mas o ser humano responsável e que vive em sociedade). E acredito que a arte (a boa arte) é aquela que procura as brechas e foge ao senso comum e ao mero consumo. Uma pena que as escolas, mesmo nossas melhores escolas, ainda não tenham um projeto mais vigoroso para as artes (porque não cai no vestibular...). Ainda não perceberam a importância de refletir criticamente sobre as imagens, por exemplo, que estão por toda à parte. A arte na escola deveria propiciar o desenvolvimento de um público crítico em relação à cultura e não meramente consumidor, mas não vejo nenhuma preocupação nesse sentido. As práticas simbólicas ainda são muito desvalorizadas ou repetidas de uma forma cheia de clichês.


PIT - Como você pode descrever o seu trabalho artístico?
LD - Acho que tudo o que faço é uma tentativa de modelar o tempo e a memória, pensando-as como matérias concretas de fato.


PIT - Que tipo de material você costuma usar?
LD - Meu material preferido sempre foi o papel, que é como a pele – frágil, sensível, contém parte da história de nosso corpo -, por isso mesmo tão precioso. Esse ano, comecei a fazer pequenos vídeos, mas mesmo neles produzo situações a partir de inscrições feitas sobre papel ou superfícies similares. Já fiz algumas instalações em que utilizo móveis. A forma do livro também é uma referência importante.


PIT - Você tem um trabalho feito com jornais. Conte um pouco sobre ele...
LD - O trabalho com os jornais é também uma reflexão sobre a memória e o esquecimento. Vejo os jornais diários como uma espécie de paisagem ou como a superfície sensível do mundo. O que eu faço é apagar seletivamente os jornais (com um método extrativo, que mantém a integridade da página). Desfaço a linguagem informativa e em seu lugar inscrevo fragmentos de poemas, sobretudo Paul Celan. Parto da necessidade de reverter a instrumentalização da linguagem jornalística, voltada para o consumo e para o esquecimento. O que me pergunto sempre é como seria possível reverter a temporalidade linear dos jornais, inscrevê-los numa temporalidade mais longa, transformá-los em pequenos monumentos? Tive uma bolsa da RioArte para dar início a esse trabalho em 2002 e ele vem se desdobrando. Vou expor uma variação dessa série no MAC de Niterói, em março do ano que vem, em um projeto com curadoria do Luiz Cláudio da Costa, meu colega na UERJ, e apoio da FAPERJ, a instituição de amparo à pesquisa no Rio.


PIT - Como você vê o presente e o futuro da arte no Brasil?
LD - Há muita movimentação no mercado de arte, mas sinto ainda falta de um real amadurecimento, que dê mais visibilidade social ao trabalho do artista (falo do artista visual, principalmente). Acho o mercado ainda muito informal e poucas galerias trabalham bem o artista, acompanhando e propiciando o desenvolvimento da produção.
Por outro lado, há uma presença muito maior da arte nas universidades brasileiras, com cursos de graduação e pós-graduação, que querem formar um artista consciente e reflexivo. Isso é muito bom. Só espero que na universidade, a arte consiga manter a sua singularidade e a capacidade de lidar com processos bem subjetivos.
Na verdade, acho que o maior problema no Brasil continua sendo a falta de bons museus, com acervos que permitam à arte tornar-se realmente um bem público, acessível a todos que tenham interesse. Acho que o maior dilema é que nós temos ainda uma “história da arte imaginária”, para usar uma expressão do crítico Ronaldo Brito, o que não nos permite o embate e o confronto com a produção do passado. E isso nos deixa frágeis, vulneráveis a consensos que se formam com excessiva rapidez. A irresponsabilidade dos governos com a história da arte brasileira ficou bem clara nas últimas semanas. Vivemos uma grande tragédia recentemente, com o incêndio que destruiu parte da obra do Hélio Oiticica. Foi algo semelhante ao incêndio do MAM em 1978.

PIT - Em certos momentos você junta a poesia com as artes plásticas. Você acha que este é um casamento perfeito? Seria uma forma de personificar a poesia ou de dar voz ao trabalho artístico?
LD - Acho que existem muitos casamentos possíveis e ‘perfeitos’ para a arte. Há artistas que dialogam com a biologia ou com a antropologia, por exemplo. Desde que a arte se afastou de um movimento mais marcadamente auto-reflexivo, que aconteceu das primeiras décadas do século XX, ela assumiu a tarefa de se aproximar de várias outras áreas do conhecimento. Eu gosto muito das palavras e a relação entre palavra e imagem sempre me interessou muito. Na verdade, eu até comecei a escrever poesia há uns dois anos e publiquei na Revista Inimigo Rumor, editada pelo Carlito Azevedo, poeta que admiro muito.


PIT - O que te inspira para criar?
LD - Coisas muito pequenas, bem particulares; sempre o avesso do grandioso. Por exemplo: preciso fazer alguma coisa com as agendas em branco que achei nas gavetas de meu pai. Agendas de mais de 50 anos atrás e que nunca foram usadas por ele. Preciso responder a esses objetos, que me solicitam de alguma forma. Como se eles esperassem por mim. É como se eu tivesse alguma responsabilidade sobre eles (e tenho mesmo).


PIT - Quais são suas influências?
LD - Gosto de “conversar” com muitos artistas: Dürer, Watteau, Kirchner, Segall, Goeldi, Reveron, Joseph Cornell, Schwitters, Beuys, Kiefer... Todo artista tem uma família e se inscreve numa genealogia. Eu me sinto do lado da matriz romântica e expressionista da arte.


PIT - Leila, super obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!
LD - Patrícia, muito bom te reencontrar! Queria deixar o convite para uma data que é sempre lembrada na ARI – o dia 9 de novembro de 1938, a chamada Kristallnacht, quando houve um ataque programado a todas as instituições judaicas na Alemanha. Foi mesmo o último alarme do terror irreversível. Vou fazer uma palestra, na verdade uma conversa, sobre o tema da memória da Shoá em Berlim. Como a cidade enfrenta a memória da expulsão e do assassinato de milhões de judeus? Vamos ver isso no campo da arte e da prática dos monumentos. Será às 20h, segunda-feira, dia 9/11, no salão da sinagoga, que para quem eventualmente não sabe, fica na Rua General Severiano 170, Botafogo.
Quero convidar também para uma exposição bem interessante que está acontecendo na Galeria Cândido Portinari, no campus da UERJ, no Maracanã e fica até o dia 27 de novembro. A exposição chama-se Contato e propõe relações entre a arte e a biologia. Eu participo dela com mais 5 artistas, que são professores do Instituto de Artes e do Instituto de Biologia. A curadoria é do Israel Felzenszwalb e da Vera Beatriz Siqueira. É uma iniciativa muito interessante, que deverá ser itinerante.






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