quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008


Você já pensou em o que é ser judeu?

Leia este bate-papo com o Rabino Sergio Margulies e reflita sobre o assunto... Shalom!


Bem vindo ao Papo em Comunidade Rabino Sergio!

PIT - Como e quando surgiu seu interesse em ser rabino?

SM - Tive uma formação e educação marcada pelo envolvimento judaico. Em casa, na escola, no movimento juvenil e depois grupos jovens, sempre ‘respirei’ judaísmo. A casa de meus pais era cercada por livros que cobriam as várias facetas do conhecimento judaico. Logo após o meu bar mitsvá quis continuar a aprender mais. E assim fiz. De modo paralelo também almejei atuar mais na vida comunitária, e assim também fiz. A identificação com o futuro exercício rabínico já estava semeada. Depois foi o processo de consolidar esta busca através de uma formação adequada, o que me levou ao seminário rabínico, com estudos em Israel e nos Estados Unidos. Importante frisar que a ordenação rabínica requereu antes um estudo universitário.

PIT - Um rabino lida com a alegria do nascimento, a euforia do bar/bat mitsvá e do casamento e a tristeza da morte. Como é estar constantemente nesta oscilação de emoções?

SM - Há na Torá a descrição de um sonho do patriarca Jacob. Em seu sonho Jacob vê mensageiros divinos subindo e descendo por uma escada. Este sonho pode ser interpretado como a vida, com seus altos e baixos, momentos de plenitude e dificuldade, ocasiões em que há alegria e outras em que há tristeza. O importante é nunca estar sozinho. Aliás, é por isso que temos o minian – o grupo de dez pessoas que compõe a reza: para que ninguém fique sozinho. Que alegria haveria se esta não fosse compartilhada e diante da tristeza, quanta dor seria acrescida se não houvesse alguém ao lado. A missão de uma comunidade é estar sempre ao lado.


PIT - O judaísmo tem diversas vertentes. Como é ser rabino do judaísmo liberal?

SM - Quando estuda-se a Torá, abre-se um livro que contém diversas interpretações. Quando estuda-se o Talmud – coletânea de ensinamentos rabínicos – aprendemos distintas posições. Não importante de qual vertente o rabino é, todos utilizam estes livros em seus estudos, portanto, todos se abrem para o pluralismo e para a diversidade das idéias e das opiniões. O que mais me atrai no judaísmo liberal é o fato de enfatizar este caráter também inerente à trajetória judaica de pluralismo e diversidade. Uma diversidade que demonstra a riqueza de nossas fontes e de nossa tradição, uma diversidade que não se antepõe a unidade do povo, ao contrário, a reforça. Uma diversidade que nos permite a refletir sobre o mundo em constante mudança. Refletir e atuar.


PIT - Há quase 12 anos a frente da ARI (Associação Religiosa Israelita) qual o momento mais marcante durante este tempo?

SM - Os momentos de satisfação de estar com pessoas comprometidas com a continuidade judaica, os momentos em que mesmo no silêncio são escutadas palavras de apoio, os momentos em que ao buscar ensinar aprendendo, os momentos em que as alegrias trazem o senso de gratidão, os momentos em que da tristeza brota um desejo de reconstrução, os momentos em que a vida não é desperdiçada, pois é imbuída pelo senso de missão.


PIT - Qual o maior desafio para um rabino?

SM - Ao iniciar o curso rabínico eu achava que seria tocar o shofar. Mas a mitsvá não é tocar o shofar, e sim, como conforme, a própria bênção recitada ao toque do shofar ensina escutar o shofar. Assim, creio que é o maior desafio é ouvir todas as vozes, as vozes, os sons dos sonhos humanos que brotam em cada um que compõe a congregação.

Outro desafio é reconhecer para si e demonstrar para os outros que é um ser humano, não é um intermediário entre Deus e os Homens. O exercício de uma liderança deve ser feito com muita cautela, neste sentido. Assim, um desafio seria: ensinar para que os aprendizes questionem o que é ensinado mantendo efetivo respeito pelo que é ensinado. Bem judaico, né?


PIT - O que é ser judeu?

SM - Sou judeu porque quando sinto uma incerteza, lembro dos passos percorridos pelos meus ancestrais. Como eles venceram seus desafios.

Sou judeu porque me conecto com uma história, faço parte de uma trajetória.

Sou judeu porque rompo a possibilidade de me sentir isolado.

Sou judeu porque na minha condição não há margem para solidão.

Só solidariedade.

Sou judeu porque me responsabilizo pelo destino de minha comunidade e de minha congregação.

Sou judeu porque me preocupo com os não judeus. Como judeu acredito que a dimensão humana não pode ser subjugada a interesses particulares.

Sou judeu porque canto. Canto o canto milenar. Porque no meu canto, resgato a tradição ancestral e a remeto para uma esperança futura.

Sou judeu porque preservo o passado. E sou judeu porque acredito no futuro.

Acredito no futuro, não importa, o quão caótico seja o presente.

Sou judeu porque acredito no potencial de transformação.

Sou judeu porque é o que sou.

Mesmo que não houvesse um porquê.


PIT - O que você, como rabino, diria para quem está afastado do judaísmo?

SM - Venha. Há um tesouro que pertence a você. Venha descobrir.


PIT - Como você vê o judaísmo no Brasil?

SM - Com enormes e positivos desafios de participar da construção de nossa sociedade, buscando os ideais de justiça social tão caros ao judaísmo mantendo, ao mesmo tempo a nossa particularidade. Há, sem dúvida, o medo da assimilação, de perda dos vínculos comunitários. Mas esta preocupação não é exclusiva do Brasil, pois em todo mundo prevalece o individualismo e o aspecto comunitário é enfraquecido. Assim, é necessário sempre rever os mecanismos de atuação instituição. O materialismo talvez, num primeiro estágio leva ao afastamento da vida espiritual, mas num segundo estágio, quando se percebe o vazio que o excessivo materialismo provoca, há uma busca pela espiritualidade. É importante sabermos responder a esta busca, não somente satisfazendo a necessidade do que é buscado, pois aí também a religião se tornaria um produto de consumo, mas sim forjando através desta busca, os tecidos comunitários que se alimentam dos nossos valores e de nossas práticas religiosas.

PIT - O que falta ainda realizar?

SM - Tudo aquilo que comecei – pois a renovação é crucial e claro, também tudo aquilo que quis começar e não comecei e tudo aquilo que ainda vou descobrir querer começar.


PIT - Muito obrigada e se quiser complementar o espaço é seu!

SM - Parabéns por esta iniciativa de criar um espaço de divulgação de idéias, conceitos e de comunicação.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Patricia! Shalom Guissá!
Parabéns pela excelente idéia de divulgar a comunidade.
Beijos,
Bianca