quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Shalom!

O Papo de hoje é com um cientista apaixonado pela história judaica e responsável pelo Memorial Judaico de Vassouras: Luiz Benyosef!



PIT - Olá Luiz, bem vindo ao Papo em Comunidade!
LB - Olá! Patricia, muito obrigado pelo convite para participar do "Papo em Comunidade".


PIT - Para começar conte um pouco sobre você...
LB - Sou físico de formação e depois fiz mestrado e doutorado em instrumentação geofísica. Entretanto sou apaixonado pela área de humanas, especialmente história e sociologia. O estudo das migrações judaicas mundo afora me deixam fascinado. Parte do meu doutorado realizei na Dinamarca e na Rússia (na fase inicial pós-perestroika) e naquele país, em especial, tive uma oportunidade ímpar de acompanhar e vivenciar o trabalho de reorganização das diferentes comunidades judaicas. Como descendente de marroquinos também tenho grande admiração pelos estudos das comunidades sefaraditas e de seus dialetos (Hakitia e Ladino).


PIT - Você é o presidente do Memorial judaico de Vassouras. No que consiste o memorial?
LB - O Memorial Judaico é um jardim/monumento de significado especial, é um reconhecimento para o gentil povo brasileiro que soube acolher, sem grandes restrições, os imigrantes que aqui chegaram e tornaram-se irmanados constituindo-se parte importante da nação brasileira. Naquele local, pertencente a uma instituição profundamente católica, estão sepultados dois judeus falecidos na cidade em meados do século XIX. O Memorial, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é também um dos últimos trabalhos do saudoso paisagista Roberto Burle Marx.


PIT - Como surgiu a ideia do Memorial de Vassouras?
LB - Em 1989 liguei para a casa dos historiadores Egon e Frieda Wolff Z’L, que até então não os conhecia pessoalmente, para perguntar informações sobre a imigração marroquina para o Brasil. Conversei longamente com Egon algumas vezes e em uma delas, ele percebendo que a ligação estava muito ruim perguntou se eu estava no Rio. Quando disse que falava de Vassouras, onde dirigia o Observatório Magnético, ele ficou empolgado e fez um breve relato sobre a história de dois judeus que foram enterrados no jardim da antiga Santa Casa de Vassouras e que desde o início do século XX funcionava como asilo para os velhinhos mais pobres da região e ainda pertencia a mesma irmandade. No dia seguinte visitei o local e deparei com a única pedra tumular existente debaixo de um chiqueiro. As fezes dos porcos escorriam sobre ela. Liguei para o então Presidente da Irmandade da Santa Casa ainda proprietária do terreno: Prof. Azuil Lasneaux, que desconhecendo a gravidade simbólica da situação pediu aos funcionários que imediatamente retirassem os porcos do local e demolissem o chiqueiro. Egon e eu discutimos maneiras de destacar o local, uma vez que a retirada dos corpos seria praticamente impossível devido a falta da localização exata e pelo longo tempo transcorrido. O primeiro sepultamento – de Benjamin Benatar - aconteceu em 1859 e o segundo – de Morluf Levy - em 1878. Infelizmente Egon faleceu pouco tempo depois e o trabalho foi reiniciado com Frieda Wolff que convidou dois outros idealistas como nós, para se juntar a nós: José Kogut e Alberto Salama. O paisagista Roberto Burle Marx que era meu amigo particular se prontificou para fazer o projeto que contou ainda com o apoio de outro amigo, o reitor da Universidade de Vassouras: General Severino Sombra, e do Prefeito Severino Dias, amigo de Frieda Wolff. O Cemitério Comunal do Caju custeou a reconstrução da matzeiva do primeiro a ser sepultado e que estava desaparecida. Dessa maneira em setembro de 1992 inauguramos o Memorial Judaico de Vassouras que se destaca como um dos pontos turísticos da cidade.


PIT - Sobre o casal Wolff, qual a importância deles para a história judaica brasileira?
LB - O trabalho do casal Wolff é de extrema importância nas pesquisas sobre a imigração judaica no Brasil e a formação de nossas primeiras comunidades. Com dedicação criteriosa, eles foram os pioneiros a trabalhar sistematicamente com fontes primárias. Pesquisaram em cartórios, bibliotecas, centros de imigração e juntaram milhares de documentos, fotografias e registros diversos, dentro e fora do país. Também visitaram dezenas de cemitérios onde havia vestígios de sepulturas israelitas, especialmente nos protestantes. Enfim, construiram um acervo histórico precioso, um verdadeiro tesouro documental. Este trabalho incansável possibilitou que publicassem e apresentassem centenas de trabalhos em jornais, revistas e em conferências. Publicaram ainda 46 (quarenta e seis) livros nesta temática.


PIT - O que você pode contar sobre a comunidade judaica em Vassouras?
LB - Apesar da cidade praticamente desde seus tempos de formação possuir judeus, nunca houve número suficiente para a formação de uma comunidade organizada.

PIT - O Memorial costuma promover e/ou participar de eventos?
LB - Sim, temos uma sociedade que auxilia na preservação, manutenção e divulgação do Memorial Judaico e da presença judaica no país. Periodicamente, realizamos trabalhos e exposições com esta temática, já o fizemos na UNIRIO, UFRJ, UFF, Universidade e Casa da Cultura de Vassouras. Temos uma diretoria atuante e nossas atividades podem ser vistas no site www.memorialjudaico.org.br. Em dezembro do ano passado, 2009, organizamos um evento alusivo ao Dia Internacional dos Direitos Humanos. Este trabalho foi realizado em conjunto com a comunidade afro-descendente, e quero destacar nele a participação expressiva da Jurema Batista e do Cel. Luiz Carlos Barreto, conselheiros do CEDINE/Conselho Estadual dos Direitos do Negro. Foi uma noite memorável no auditório da Universidade de Vassouras. Contamos com a presença da Câmara dos Vereadores de Vassouras – cujo presidente distribuiu moções para personalidades, israelitas e afro-descendentes, que realizaram trabalhos importantes - da OAB, da Universidade Severino Sombra, Instituto São Fernando e das duas associações afro-descendentes da cidade. Vassouras, além do Memorial Judaico, também abriga o Memorial Manoel Congo, como tributo a um escravo que por chefiar uma rebelião foi preso, torturado e enforcado em 1839. No local foi construído, em 1996, este Memorial que fica a 300 metros do Judaico. A cidade de Vassouras tem então dois memoriais que referenciam povos que historicamente sofreram discriminação.

PIT - O que você gostaria ainda de realizar?
LB - Gostaria de viver até os 120 anos fazendo as mesmas coisas que já faço, tanto profissionalmente como cientista, quanto como um idealista apaixonado por nossa história comum. Acredito que o conhecimento, valorização, conscientização e a divulgação do nosso passado é um dos grandes legados que podemos - e devemos - deixar para as gerações que vão nos suceder.

PIT - Luiz, obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!
LB - Quero agradecer, novamente, pelo convite e destacar seu trabalho de juntar, organizar e divulgar acontecimentos, ideias, experiências... Parabéns!






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