sexta-feira, 25 de junho de 2010


Shalom!!
O Papo de hoje mistura engenharia com música!
Impossível? O engenheiro oboísta Leonardo Fuks revela o mistério!!



PIT - Olá Leonardo, bem vindo ao Papo em Comunidade!
LF - Obrigado, Patrícia e leitores, adorei conhecer este blog, inclusive já encontrei diversos amigos aqui "dentro", e pude revê-los e conhecê-los melhor através das entrevistas. Já peço desculpas antecipadas se minhas respostas forem um pouco longas...


PIT - Quando começou seu interesse pela música?
LF - Desde criança tive contato com a música em casa (pois meus pais sempre gostaram muito de escutar, de todos os gêneros) e na escola Eliezer Steinberg. Tinha amigos de infância de famílias de músicos, sobretudo os Jaffé, os Katz e os Morelembaum. Isto certamente influenciou bastante. Aos seis anos, comecei a frequentar a escola de música da professora Sula Jaffé (tia de meus amigos Marcelo e Cláudio, que são hoje grandes instrumentistas da viola e violoncelo). Tocava desde então flauta doce, principalmente de ouvido. Aos 15 anos, entrei para a Escola de Música Villa-Lobos e tinha aulas mais sistemáticas de flauta doce, lá tendo o contato com este outro instrumento maravilhoso, o oboé. Meu primeiro professor de oboé, Wilson Dantas, era apaixonado pelo instrumento e permitia a todos que se interessassem a provar o instrumento, além de demonstrar diversos temas do repertório. Eu achei o som lindo e misterioso...


PIT - Falando nisto, por que o oboé?
LF - O oboé, geralmente confundido com o fagote (embora o fagote tenha quatro vezes o comprimento do oboé), é um instrumento fascinante, encontrado etnicamente na China, Vietnam, Turquia, Egito, Mesopotâmia, Índia e outras culturas, com achados arqueológicos de mais de 4000 anos. Era um dos instrumentos prediletos de Bach e Haendel e é empregado até em gravações populares de Beatles, Madonna, Rolling Stones, Carpenters, REM, Roberto Carlos e muitos outros. O oboé tem a fama de ser um dos instrumentos mais difíceis de tocar. Me parecia um grande desafio, e logo da primeira vez que tentei tocar algo o professor elogiou muito, dizendo que poucos conseguiam emitir som com tanta facilidade. Certamente era um exagero, mas eu acreditei e fiquei muito motivado. Consegui um instrumento emprestado na escola, que foi um fator muito importante no prosseguimento dos estudos. Em menos de dois anos, conseguimos comprar um oboé excelente e novinho que foi trazido de Paris. Meu pai fez um sacrifício, mas valeu a pena. Eu estava me preparando para o vestibular de engenharia e quase desisti de tal maneira que estava envolvido com a música. Choviam convites para saraus e para tocar em grupos e mesmo fazer pequenos trabalhos de gravação para teatro.


PIT - Engenharia e música... Como você conseguiu unir os dois?
LF - Por um incrível acaso, vi um dia o poeta Carlos Drummond de Andrade andando no Centro do Rio, estando a caminho da aula de música. Fui atrás dele num impulso e puxei conversa, até porque tinha um livro dele em minha mochila. Ele foi muito simpático e me perguntou o que eu fazia, e eu disse que estudava oboé (ele conhecia o instrumento!) e que me preparava para o vestibular de engenharia. Ele me contou que havia estudado farmácia, já sendo um leitor assíduo e poeta iniciante, e disse que não se arrependia. Este encontro marcante e inesperado me influenciou muito, tanto para fazer o vestibular de engenharia quanto para prosseguir na música. Curiosamente, os meus interesses em engenharia mecânica se mesclaram aos musicais. Eu buscava entender melhor sobre o funcionamento dos instrumentos e já considerava a possibilidade de desenvolver novos sistemas. Os instrumentos são fisicamente complexos e envolvem fenômenos até hoje pouco explicados. Antes de me formar em engenharia na UFRJ, passei no concurso para oboísta da orquestra Sinfônica do Paraná, que então estava sendo fundada. Decidi trancar matrícula e fiquei dois anos em Curitiba, foi uma grande experiência. Após retornar ao Rio, concluí meus estudos e fui trabalhar no exterior - Escócia, Colômbia e Equador- como engenheiro de petróleo. Vi que não gostava do trabalho, mas que tinha interesse genuíno na engenharia musical. Entrei para o mestrado em engenharia de produção e fui estudar a palheta da clarineta! Na mesma época fui contratado para tocar no Teatro Municipal e fiquei mais de um ano tocando óperas, balés e concertos.

PIT - Como surgiu a ideia dos experimentos musicais?
LF - Durante o mestrado na COPPE-UFRJ, tive de fazer muitos experimentos para estudar o funcionamento da clarineta e entender como os músicos avaliavam a palheta, uma pequena lâmina de bambu, que é relativamente cara, tem curta vida útil e faz toda a diferença na qualidade do som do instrumento. Aprendi a fazer palhetas de clarineta à mão (oboístas sempre fazem suas próprias palhetas) e construí clarinetas simplificadas em PVC. Aprendi que o engenheiro e o pesquisador precisam aprender trabalhos manuais e utilizar agudamente seus sentidos, para poderem avançar. Tornei-me professor de acústica na Escola da Música da UFRJ em 1991 e sou considerado uma espécie de "professor Pardal" pelos alunos e colegas, pois estou sempre testando e desenhando instrumentos novos, outros raros que consigo ou me presenteiam, buscando sempre lidar com o assunto de maneira lúdica, bem humorada e artisticamente significativa. Toquei diversas vezes na Bienal Brasileira de Música Contemporânea como instrumentista, e duas vezes como compositor. Participei do grupo da compositora Jocy de Oliveira, tendo também produzido instrumentos para ela e outros artistas, desde trompetes tibetanos em resina a oboés de gelo, passando por flautas indígenas em tubos plásticos.Fui fazer o doutorado na Suécia e lá pesquisei mais a fundo os instrumentos de sopro e voz humana. A investigação sobre a voz dos monges tibetanos, feita com meu orientador Johan Sundberg, ofereceu a primeira explicação científica de como são obtidas vozes tão graves. Eu mesmo aprendi a técnica e sempre pratico estes e outros efeitos vocais mais estranhos (para os outros), geralmente a partir de músicas do mundo.


PIT - Qual a finalidade dos experimentos, descobrir novos sons?
LF - Meus interesses são bem amplos, busco desenvolver instrumentos novos, outros tradicionais de baixo custo com novos materiais, criar sons e maneiras de explorar os instrumentos, propondo outras formas de agrupar os músicos e de apresentar os trabalhos. Criei um grupo de telefones celulares em 2003 e uma "orquestra" de vuvuzelas, estas cornetas da Copa da África, concebi um oboé plástico de "R$ 1,99" e tenho apresentado um recital-teatral em que utilizamos instrumentos feitos a partir de objetos descartados - canudos, lâmpadas fluorescentes, garrafas e até barbeadores. Tenho uma oficina em que faço artesanalmente boquilhas para clarineta e saxofone (o “bico" plástico que fica entre o instrumento e a boca do músico), e já produzi mais de 3000 destas boquilhas. Outro grande interesse é o de combinar música com esporte. A palavra PLAY , como sabemos, significa TOCAR e JOGAR, e não é à toa. A obra GYMNARTS - para músico, atleta e público preparado - foi recebida com grande entusiasmo na Bienal de 2005, embora alguns ouvintes mais conservadores tenham se retirado, revoltados... Em música, a experimentação é algo fundamental, não podemos apenas reproduzir de maneira automática aquilo que aprendemos. A improvisação, a composição, a expressão artística, a escolha de repertório e a forma de tocar o instrumento exigem o ato ousado de experimentar, avaliar e reformular propostas e os conceitos pré-existentes.

PIT - E a Cyclophonica, como surgiu?
LF - Andar de bicicleta sempre foi para mim algo extremamente prazeroso e libertário, assim como tocar música. Costumo até hoje andar de bicicleta para me movimentar pela cidade, já me roubaram umas cinco (no Rio de Janeiro, Stanford, Curitiba e Estocolmo...). Quando vivia na Suécia, andava diariamente e ainda viajava uns 20 km toda semana para um ensaio numa cidade vizinha, Nacka, onde tocava na orquestra. Num destes trajetos, pensei como seria tocar instrumentos e pedalar a bicicleta ao mesmo tempo. Fiz alguns experimentos e vi que funcionava. Depois de voltar ao Brasil, juntei uma variedade de instrumentos e amigos músicos que costumavam andar de bicicleta e inauguramos a Cyclophonica em 1999 durante um congresso de engenharia de produção, na Praça Paris, com cachê inclusive!A cyclophonica é uma oportunidade para que eu coloque em uso diversos instrumentos inventados e outros adaptados para serem tocados com apenas uma mão, às vezes apenas um dedo.


PIT - Onde costumam ser as apresentações da Cyclophonica?
LF - A Cyclophonica é uma proposta para ser realizada em todos os espaços disponíveis, pois ela integra as áreas do esporte, transporte, música, urbanismo e lazer. Tocamos em quadras de esporte, teatros, velódromos, estádios, praças, ruas, estradas, fazendas. O mais importante é que os ouvintes possam ter a experiência de presenciar e escutar a música em movimento, e podendo também pedalar harmoniosamente com a gente. Se isto acontece eficazmente, é sinal de que as áreas que integramos estão em boas condições

PIT - O que você acha da música instrumental no Brasil?
LF - No mundo inteiro, o público mais amplo, que não seja “iniciado em música”, tende a preferir a música vocal. Existe também um lobby das gravadoras e das rádios e TVs para transmitir a música cantada, fazendo um feedback que realimenta o que já é preferencial no mercado. Entretanto, observamos um certo crescimento na música instrumental, seja ela orquestral-erudita, jazzística, do choro e outros gêneros, possivelmente impulsionado por inúmeros projetos bem-sucedidos de educação e disponibilização de instrumentos musicais. Também tem sido relevante a atividade musical em igrejas (sobretudo evangélicas) e grupos religiosos em geral. A abertura de muitos editais de apoio à cultura tem possibilitado que uma grande quantidade de projetos de execução e ensino de música instrumental estejam sendo realizados. E isto não pode parar, pois o retorno de público tem sido excelente e o lobby mencionado acima deve ser contrabalançado e mesmo combatido.


PIT - Entre seus projetos você tem o Cabaré Canja Only Yuch, uma sátira à famosa canja judaica. Como surgiu essa ideia? Conte nos um pouco a respeito...
LF - Há alguns meses, em uma festa, conversei com o Rabino Nilton Bonder, que buscava atividades culturais judaicas para o Centro Cultural Midrash, que estava para ser inaugurado. Naquele momento bolei um trocadilho e disse: -"Que tal fazermos uma 'canja musical', chamada de Only Yuch ? " . Como sabemos, o Yuch é a canja de galinha tradicional judaica, tanto de sefaraditas quanto de asquenazitas. O rabino riu um bocado e prometeu que o encenaríamos em breve, embora eu e ele não tivéssemos a mínima ideia do que poderia vir a ser. Em poucos dias lhe apresentei a proposta e pré-roteiro, que escrevi com o comediante e dublador Sérgio Stern e com o músico Eduardo Camenietzki. Juntemos fatos históricos do Rio de Janeiro dos anos 30 e 40, incluindo o polêmico assunto das Polacas (escravas brancas judias que eram levadas para a América e prostituidas), dados de nossas famílias, influências de nossas leituras de Isaac Singer e Sholem Aleichem, e montamos este espetáculo, que abre espaço para a participação do público e inclui idealmente a feitura do caldo de galinha judaica no próprio palco.


PIT- O que você gostaria ainda de realizar? Algum projeto em andamento?
LF - A Cyclophonica ganhou recentemente um patrocínio de uma grande empresa, através das leis de incentivo à cultura. Faremos 32 passeios pelo Rio de Janeiro, atravessando mais de 50 bairros das zonas Centro, Sul, Norte e Oeste e tocando para a população. Pretendemos desenvolver mais instrumentos, que possam ser aplicados em ensino musical e estimular a formação de outros grupos dentro da mesma proposta e com propostas diferenciadas. No próximo ano, deveremos fazer uma turnê internacional e atravessar outras cidades brasileiras.


PIT - Leonardo, obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado!
LF - O som é um fenômeno físico e está em todo lugar, mas a música deve estar desenvolvida dentro de nós, para podermos apreciar profundamente os sons do mundo. Todos devemos investir pesadamente na educação de nossas crianças e jovens e incluir a música como atividade indispensável. O mundo está repleto de músicos frustrados, pessoas que geralmente possuem grande sensibilidade musical, mas que não tiveram a oportunidade de aprendê-la.
E quando tiverem algum problema de saúde ou do espírito, tomem um Yuch e consultem um especialista...











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