quinta-feira, 31 de julho de 2008






Shalom!
O Papo de hoje é, sobretudo, uma homenagem.
Samuel Malamud Z”L completaria este mês 100 anos.
Sua filha, Ilana Strozenberg nos conta um pouco sobre este grande ativista da comunidade judaica!


PIT - Olá Ilana! Um prazer conversar com você!
IS -
O prazer é meu Patrícia, sobretudo que vamos conversar sobre meu pai. Uma figura que, além da importância de sua atuação política e social na história da comunidade judaica do Rio de Janeiro, merece ser lembrada pelas suas qualidades como ser humano sensível, criativo e intensamente apaixonado pela vida.

PIT - Se vivo seu pai completaria 100 anos. Conte para nós um pouco de quem foi Samuel Malamud...
IS -
Talvez toda a vida pública de meu pai possa ser definida como a de alguém que lutava em defesa das causas em que acreditava. A construção de uma comunidade judaica institucionalmente bem constituída, capaz de desenvolver uma vida social e culturalmente rica no Brasil e, mais especificamente, no Rio de Janeiro, foi, talvez, a mais importante delas.
Acho, no entanto, que meu pai gostaria de ser definido também como jornalista. Ele acreditava firmemente no poder da imprensa como órgão de informação e de luta política e, como tal, escreveu durante muitos anos em jornais da comunidade, entre os quais se destaca o Iídiche Presse. De certa forma foi esse espírito jornalístico, que o levou a, já com mais de 73 anos, começar sua carreira de escritor. Me lembro muito bem que, ao explicar essa decisão, mencionava a importância de deixar registrados, para as futuras gerações, diversos aspectos da história da comunidade judaica, dos quais havia participado mais diretamente – o cotidiano da Praça Onze, as lutas do movimento sionista, por exemplo. Assim como acreditava na informação, ele acreditava na educação. Numa educação para o futuro. Não é por acaso que a ORT foi a instituição judaica na qual investiu por tempo mais longo e mais contínuo os seus esforços. Mas esses são aspectos da vida pública, através dos quais ele é mais conhecido. Quero lembrar aqui o Samuel Malamud que gostava de escrever poesias – muitas das quais dedicou à amada Anitinha, mulher que o encantou desde muito jovem pelo espírito artístico e pela inteligência brilhante; que chorava ao ouvir concertos de música clássica; que devorava livros; que colecionava quadros pelo prazer de contemplá-los; que amava viajar e tinha uma curiosidade permanente pelo que ainda não conhecia. E também alguém que não perdia uma ocasião de fazer trocadilhos; que tinha uma gargalhada inconfundível, que se ouvia de longe; que ligava para os filhos e netos todos os dias, infalivelmente, na hora do jantar.
Uma pessoa que não se poupava, nem aos que os cercavam, porque na vida, segundo ele, não havia tempo a perder.

PIT - Advogado, escritor, primeiro cônsul honorário de Israel no Brasil. Samuel costumava se engajar em diversas áreas, principalmente em causas judaicas. Qual a importância que ele teve para as comunidades judaica e maior?
IS -
Acredito que, como todos os judeus que chegaram ao Brasil e se integraram na vida profissional e social da comunidade nacional, ele representou, para os que vieram posteriormente, um modelo a ser seguido, a esperança de uma vida digna e bem sucedida no novo país.
Na sua atuação como militante das causas judaicas e como intelectual, acredito que um dos aspectos mais relevantes foi a sua capacidade de estabelecer diálogos e interlocuções entre a comunidade judaica e a comunidade nacional brasileira. Embora acreditasse firmemente que é necessário e fundamental garantir a continuidade da comunidade, meu pai nunca teve uma atitude chauvinista ou excludente em relação às diferenças. Pelo contrário, sempre apostou na relação entre elas e na possibilidade de afirmar diferenças em relações de convívio. Acredito que, por isso, tenha desempenhado um papel tão relevante nas negociações pelo reconhecimento do Estado de Israel pelo governo brasileiro.

PIT - Há alguma história dele ou que ele contava que você possa nos relatar?
IS -
Há várias. Escolho a da sua volta à Rússia, quando finalmente conseguiu chegar até Mogilev-Podolski, a sua cidade natal. Por muitos anos, sonhara com essa volta. Uma primeira tentativa, ainda durante o regime comunista, fora frustrada. O guia oficial que o acompanhava (na época era impossível viajar no país sem a companhia de um deles) lhe disse ser proibido sair do roteiro previsto e teve que desistir. Agora, finalmente, conseguira. Estava em Mogilev. Era muito cedo, quase madrugada, quando chegou à cidade. Havia saído de lá quando tinha cerca de 12 anos, fugindo, junto com seu pai e sua mãe, no meio de uma noite de inverno, atravessando o rio gelado a pé, com água nas canelas. Sua última imagem da cidade era a da casa onde moravam, na porta da qual ficaram seus avós, já muito idosos para arriscar a travessia, acenando. Agora, ao chegar, encontrava a cidade deserta. Reconhecia a ponte sobre o rio, tinha alguma idéia da localização de sua antiga casa, mas nada preciso. De repente, viu um homem que caminhava na rua. Se aproximou e perguntou em russo, que ainda falava com fluência, se saberia informar a localização da rua e da casa onde havia morado. Claro! Respondeu o homem. Ela hoje é moradia de algumas famílias, inclusive a minha. Moro lá. E o levou direto para a casa que, apesar das mudanças do tempo, ele reconheceu como a de sua infância. Ofereceu-lhe então um café, que tomaram juntos enquanto o homem lhe contava sobre o que acontecera no local durante todos os anos em que estivera ausente. Desde pequena, eu o ouvia falar de sua cidade, de sua casa, de seus planos de revê-las. Com quase 80 anos, ele havia reencontrado o espaço de seu passado.

PIT - Qual a maior lembrança do seu pai? O que para você ficará eternamente na memória?
IS -
O amor pelos livros e pela arte e a noção de que a vida individual deve estar sempre movida por algum ideal maior, coletivo.

PIT - A seu ver o que Samuel Malamud deixou de legado?
IS -
Para essa pergunta, a resposta é necessariamente subjetiva e múltipla. Pode ser respondida de vários pontos de vista e em relação a várias dimensões. No que se refere à visão de mundo, escolho uma: a sua concepção aberta e não excludente das identidades culturais, inclusive da identidade judaica. Da perspectiva histórica, no entanto, ele deixou um legado de valor inestimável: um acervo de sua memória. Uma parte deste acervo está publicada em seus livros, mas um material muito mais extenso e diversificado se encontra preservado e aberto à consulta pública na Coleção Samuel Malamud, organizada a partir de seu arquivo pessoal, doado pela família ao Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Pesquisadores de diversas áreas têm utilizado esses documentos em suas pesquisas. A tal ponto que a historiadora Beatriz Kushnir, atual diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, me procurou para, juntas, conseguirmos captar financiamento para traduzir uma parte do material que ainda se encontra em hebraico e iídiche.

PIT - Falando em livro, seu pai escreveu vários. Qual deles você destacaria e por quê?
IS -
O mais famoso é “Recordando a Praça 11”, uma vez que trata de um momento da vida da comunidade judaica de origem ashkenazi no Rio de Janeiro que é, ao mesmo tempo, parte da história da cidade. Mas eu gosto muito também de “Escalas no Tempo”, seu livro de memórias mais pessoal, em que narra a sua trajetória de vida desde a saída da Rússia até a chegada ao Brasil e o casamento com Anita Grinberg, depois Malamud, minha mãe.

PIT - Você ou a família pretende prestar alguma homenagem em decorrência do centenário? Algum livro, projeto?
IS -
Vamos fazer a família, juntamente com o Instituto de tecnologia ORT, o Museu Judaico, a Wizo Rio e a FIERJ, uma cerimônia de homenagem ao centenário de seu nascimento no dia 4 de agosto, uma segunda-feira, às 18H, na sede da ORT. Haverá um coquetel e uma mesa de homenagem em que falarão, como convidados especiais, o professor Paulo Geiger, a professora de literatura Maria Consuelo Cunha Campos e o Dr. Israel Klabin, cada um deles abordando uma aspecto específico da vida e atuação de meu pai.

PIT - Ilana, muito obrigada por suas palavras e deixe aqui o seu recado!
IS -
Obrigada a você Patrícia. Parabéns pela iniciativa desse blog e aproveito para convidar seus leitores para estarem presentes conosco, no dia 4 de agosto,
para homenagear a memória de Samuel Malamud no centenário do seu nascimento.



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